sexta-feira, 17 de agosto de 2007

A Jardineira Sorridente


Às 10 horas e 14 minutos da manhã do dia 15 de agosto de 2007, uma quarta-feira, uma senhora de aproximadamente um metro e sessenta, muito sorridente e alegre, rega as flores, limpa os vasos e lava os túmulos do cemitério da Quarta Parada, localizado entre os bairros do Tatuapé, Belém e Mooca, na Zona Leste de São Paulo, junto com um de seus três filhos, Ulisses Ribeiro dos Santos, de 23 anos, rapaz muito tímido e que por isso sempre mantém a cabeça baixa, os braços para trás e que dificilmente mostra um sorriso. Ela cumprimenta todos que passam por ela, mesmo aqueles que não são funcionários do cemitério. Todos parecem gostar muito de sua presença. Essa mulher é Iracema Ribeiro, conhecida como Dona Iracema, de 44 anos, nascida em São Paulo, moradora da Penha. Assim como seu filho, ela pratica esse ato há dez anos.

Durante esse período, Dona Iracema diz já ter visto de tudo. Desde cenas tristes, como foi o enterro de quatro crianças mortas em um acidente, recentemente, às cenas assustadoras, como diz ter sido o dia em que seu filho, Ulisses, viu uma moça muito pálida, com cabelos escuros, vestida de vermelho, com uma expressão sofredora e que acreditam ser um espírito, em cima de um dos Jazigos do cemitério.

Ainda assim, ela não pretende abandonar o serviço de jardinagem, já que se orgulha do que faz. Se não fosse esse emprego, a família não teria como se sustentar, tampouco poderia ajudar com a compra de medicamentos para sua sogra, que não tem uma saúde muito boa. Mas afirma que caso pudesse, ela, que parou de estudar quando cursava a 8ª série do ensino médio, voltaria a estudar e realizaria um sonho de infância que é se tornar advogada. Sua esperança é um de seus filhos, o caçula, que agora cursa a 3ª série do ensino médio, já que Ulisses e o seu filho mais velho não completaram os estudos e por isso trabalham com ela, assim como seu marido. Acredita que um dia ele possa cursar uma universidade. Afirma também, muito sorridente, que ganhar na loteria também seria muito bom, resolveria todos os problemas, e isso seria o único motivo que a faria abandonar seus clientes, alguns com dez anos de fidelidade aos serviços de Dona Iracema.

Assim como outros profissionais de serviços não muito comuns, diz sofrer preconceito da sociedade. Afirma que as pessoas costumam estranhar e caçoar dela quando descobrem sua profissão. Contudo isso não a deixa triste ou se sentindo inferior aos demais. E isso pode ser percebido em seu sorriso.

Aliás, ela não para de sorrir em momento algum. Só diminui o sorriso quando o assunto é o irmão que faleceu há um ano e meio. Mesmo tendo presenciado vários enterros, esse foi o mais doloroso. Seu irmão está enterrado em um outro cemitério da Zona Leste, bem mais humilde, pois a família não tem condições para pagar um túmulo no da Quarta Parada. Mas mesmo que tivesse, não o enterraria ali, pois seria mais difícil trabalhar sabendo que alguém que ela amava, está enterrado próximo ao seu local de trabalho.

Mas Dona Iracema volta a sorrir quando o assunto é seu primeiro neto, de apenas sete meses, filho de seu primogênito. Garante que ele é lindo, um bebê enorme e diz que é a sua maior alegria. Ela acredita que um dia seu neto seguirá o exemplo de seu filho mais novo e poderá concluir, pelo menos, o segundo grau.

E deste modo é Dona Iracema, uma mulher feliz com a sua profissão, tem um imenso orgulho de dizer às pessoas o que faz, visto que trabalhar no cemitério é um emprego tão honesto como outro qualquer. Ela se preocupa com o bem estar da família, é muito simples, não tem grandes ambições, apenas sonha com um futuro melhor para seus filhos e neto. Acredita que há muito para fazer no seu local de trabalho.E mesmo nos momentos mais difíceis, ela consegue sorrir e sorrir muito, pois como ela mesmo diz, "se estamos com saúde e vivendo bem, temos que sorrir para vida".

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